Disciplina - Cinema

hable_resenha

 

   RESENHA

VOLTAR                                                                                                        INÍCIO
   


Cena do filme "Fale com Ela".



Fale com Ela 



Fale com ela é um filme que discorre, basicamente, sobre amor, porém do ponto de vista masculino, não muito comum em histórias deste gênero, de três personagens que tentam, de todas as formas que lhes é possível, viver esse sentimento.

Essas “formas” de amar, diferentes de indivíduo para indivíduo, nos fazem lembrar de duas figuras mitológicas gregas, as quais têm relação direta com a história contada por Almodóvar: Tânatus e Eros, ou seja, o instinto de morte, aniquilamento versus o de vida, amor.

Segundo Freud, precursor da Psicanálise, método que investiga o indivíduo, sua vida consciente e inconsciente, fazendo um esquadrinhamento psicológico profundo de seus processos mentais, toda pessoa é dotada de dois instintos fundamentais: o instinto de vida e o de morte. Baseando-nos nessa visão podemos dizer que a evolução da civilização humana pode ser descrita como a luta de Eros contra Tânatus. É a luta da espécie pela vida. Sentir, pensar, escrever, contribuir, é a diferença entre morrer e estar vivo, produzindo, se relacionando, sentindo, observando as belezas da natureza, nos sentindo parte do todo.

“(...) Um bom número de filmes produzidos nos anos 90 põe em campo, de modo explícito, a relação entre a sexualidade e as pulsões de agressão e (auto)destruição que vão além da relação sexual em sentido estrito. Essa ligação, teorizada por Freud na complexa interseção de Eros e das pulsões de morte que está na base de todas as atividades da pessoa humana, é figurada nos filmes em uma história de amor e morte, de homicídio passional ou a sangue frio, mas que resulta de uma relação intensamente erótica. Fonte: (http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys3/web/bras/delauretis1.htm)

No decorrer da vida, nos são dadas várias opções. Escolhemos dentre elas as que mais nos estimulam a viver, sentir, produzir. Ou não. Dessa maneira, somos responsáveis, diretamente, pelos nossos sucessos e fracassos, a partir das opções que fazemos. Somos responsáveis por nos ser possível amar e sermos correspondidos, por sofrer por amor, mas aprender a amar, ou por passar pela vida nos escondendo e evitando sentimentos que podem nos fazer sofredores e sem rumo.

Seguindo essa linha de pensamento, apresentamos nossas três personagens masculinas, que dão vida à história de Fale com ela, pois as personagens femininas estão em coma, fora da ação.

Iniciemos com Niño de Valência, um famoso toureiro. Niño é namorado da também toureira e não menos afamada Lydia Gonzalez. Eles vivem um romance conturbado, pois disputam a preferência do público nas arenas, e as escandalosas brigas que têm são divulgadas pela imprensa como rixa. O amor dele ou sua “forma” de amar parece se concretizar somente na morte, pois é necessário que Lydia morra, depois de ser atingida por um touro, e ele passe a brilhar sozinho nas arenas, para que perceba seu sentimento, para que se perceba apaixonado, sozinho para brilhar, porém solitário na vida. Eros é vencido por Tânatus no final do embate.

Essa mesma condição é vivida por muitas pessoas, que somente se dão conta de quanto seria bom ter vivido determinada coisa, com alguém, em suas escuras vidas, quando estas já se foram e não têm mais volta. Tarde demais.

Nossa outra personagem é Marco Zuloaga, jornalista e namorado de Lydia Gonzales por um período. Marco representa o amor idealizado que não consegue se concretizar nem mesmo na morte. Sua frustração na “forma” de amar se esconde por trás de suas inúmeras viagens com o intuito de produzir artigos para revistas da área, característica que esconde o que o atormenta verdadeiramente. Na caracterização dessa personagem é perceptível a presença de elementos que se relacionam a Tânatus em uma luta constante com Eros, na tentativa de dificultar a relação amorosa. A esse comportamento, inclusive no modo de amar, Freud já chamava de Sublimação, ou seja,

“processo que explica atividades humanas sem qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que encontrariam o seu elemento propulsor na força da pulsão sexual. Freud descreveu como atividades de sublimação principalmente a atividade artística e a investigação intelectual. Diz-se que a pulsão é sublimada na medida em que é derivada para um novo objetivo não sexual e em que visa objetos socialmente valorizados.”
(Fonte: http://www.psicopedagogia.com.br/atuacao/glossario.asp?l_letra=S).

Marco não é capaz de elaborar um relacionamento mal-resolvido com Ângela, sua ex-mulher, e transfere essa dificuldade para o próximo relacionamento, não conseguindo se entregar, amar e permitir ser amado, idealizando uma relação perfeita, não canalizando esse sentimento para o objeto do seu desejo, no caso, a toureira, e, quando percebe que não poderá ver seu intento realizado, se mostra frustrado, recomeçando suas viagens em busca de satisfação, de algo que preencha o imenso vazio que tem no peito. Porém, no final, Eros acaba vencendo Tânatus, e nossa personagem denota possibilidades de encontrar o amor e vivê-lo plenamente.

De outro modo, entretanto não mais satisfatório, percebemos as pulsões das quais falava Freud em Benigno, rapaz simples, tímido, mas em quem se podem notar características de compulsões graves, parecendo sublimar essas pulsões de uma maneira socialmente útil e aceita.

Benigno nos mostra uma péssima elaboração no que diz respeito à relação com as mulheres. Não se relaciona com elas como homem, mas como “protetor”. Essa situação se dá com sua mãe e com Alicia, sua “paixão” que, após um acidente de automóvel, entra em coma e é internada no hospital em que ele trabalha.

A “forma” de amar dessa personagem não se concretiza nem mesmo na morte, situação em que é capaz de se relacionar amorosamente, descendo às últimas conseqüências na intenção de materializar o seu desejo. Aqui, não há vencedor. Benigno sucumbe à força destruidora de Tânatus, porém Eros renasce no sentimento que vai unir Alicia e Marco, para, quem sabe, uma relação perfeita.

Com o firme objetivo de acompanhar a emoção do texto está a trilha sonora composta para este filme, a qual denota seguir o que as personagens desejam mostrar ao público. A canção-título (Curucucu Paloma) foi composta por Tomaz Méndes e interpretada por Caetano Veloso, aliás, uma excelente e surpreendente interpretação da harmonia e do ritmo, nos mostrando toda a dor, a desesperança e o amor não-realizado das personagens, como que a dilacerar o corpo e o coração.

***

Márcia Regina Galvan Campos - Profª de Língua Portuguesa e Literatura.


 
   RESENHAS ANTERIORES  

 

Recomendar esta página via e-mail: