A ilha
A ciência envenenada pela ambição
Quando os cientistas mais importantes do mundo foram reunidos em uma base militar secreta na região desértica dos Estados Unidos para produzir a bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial muitos deles acreditavam que o artefato seria utilizado apenas para intimidar os inimigos dos aliados. Robert Oppenheimer, o líder do projeto ao lado do general Leslie Groves, chegou mesmo a declarar que todos aqueles cérebros privilegiados agiram de forma ingênua a ponto de desdenhar as possibilidades de uso bélico daquela tecnologia.
O lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945 jogaram todas as suas crenças no lixo. E também, de certa forma, a idéia da neutralidade da ciência. Nem mesmo nas chamadas ciências duras persiste tal conceito. Os cientistas em seus jalecos brancos a produzir remédios, armas ou tecnologia de ponta têm interesses e objetivos previamente traçados. Esses pesquisadores trabalham para agências científicas governamentais, universidades públicas ou privadas, empresas de diversas nacionalidades e, em todos os casos, são motivados a criar produtos e idéias que dêem lucros e criem novas perspectivas para seus financiadores.
Isso não quer dizer que a busca de medicamentos que combatam o câncer ou solucionem o drama da Aids no mundo não tenham também uma perspectiva humanista. Os cientistas não são, como se pode pensar a partir das ponderações acima, ambiciosos desalmados em busca de fama, poder e dinheiro. Pelo contrário, em sua maioria são abnegados trabalhadores da ciência que sabem da importância e validade de seus experimentos.
Acredito que o idealismo ainda é a principal fonte de energia a mobilizar os esforços da comunidade científica. Além disso, o objetivo de lucro e sucesso não deve ser encarado como pecado mortal a envenenar a produção científica mundial. Mesmo porque a busca desses rendimentos envolve principalmente os investidores que mantém as empresas, universidades e governos que bancam as pesquisas. Ainda assim penso que não se pode repreender os financiadores motivados pelo pote de ouro escondido atrás de cada uma das descobertas da ciência. Se pensarmos assim estaremos sepultando a própria possibilidade de continuidade da ciência...
“A Ilha”, do diretor Michael Bay, a princípio um filme de ação sem grandes pretensões no que se refere à reflexão, nos leva a pensar e repensar os objetivos e pretensões da ciência ao abordar um dos tópicos mais polêmicos relativos a pesquisa atual, a clonagem. Como em outros filmes que utilizam laboratórios como um de seus cenários principais, “A Ilha” nos coloca diante de empresários e cientistas inescrupulosos, até mesmo caricatos, mas nos alerta para a necessidade de estarmos de olhos abertos e atentos para os eventuais desmandos e descaminhos da ciência...
O Filme
Lincoln Six Echo (Ewan McGregor, de Moulin Rouge e da série Star Wars) acorda e imediatamente é informado por dispositivos eletrônicos em seu quarto sobre a temperatura de seu corpo, seus sonhos e a dieta alimentar programada para o início de suas atividades diárias. Suas roupas e calçados são oferecidos a ele automaticamente. Não há cores e variações em seus objetos de uso pessoal, tudo tem cores neutras e está organizado de forma impecável.
Ao sair nos corredores do local onde mora, Lincoln encontra muitas outras pessoas que se vestem e se comportam de forma parecida com a dele. Os artefatos eletrônicos estão por toda parte orientando e comandando as ações de todos os seres humanos que por ali perambulam. Aonde devem ir, o que comer, como se relacionar com os outros, que roupas vestir e outras informações são dadas pelas máquinas. Parece que entramos nos sonhos malditos de George Orwell (1984) e de Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo).
Tudo aquilo incomoda bastante a Lincoln. Ele também parece prestes a explodir por não poder demonstrar os sentimentos que nutre pela bela Jordan Two Delta (Scarlett Johansson, de “Moça com Brinco de Pérola”). Ao questionar a sociedade em que vive perante um dos responsáveis pela manutenção desse oásis em meio à destruição que teria atingido o mundo, Lincoln é lembrado de que a qualquer momento pode ser sorteado para conhecer a Ilha, o último refúgio natural que restou da grande devastação promovida pelo homem no planeta.
A Ilha é o sonho de todos aqueles que moram nesse mundo hermeticamente fechado e totalmente controlado. Os sorteios são diários e quem ganha parte para a inesquecível viagem sendo invejado por todos os demais.
As desconfianças de Lincoln quanto ao mundo em que vive o motivam a buscar respostas. Dessa sua pesquisa particular resultam dramas que ele jamais gostaria de ter que viver. Ao afrontar o sistema ele se torna inimigo da ordem estabelecida e é obrigado a fugir levando consigo sua amiga Jordan. Que terríveis segredos foram descobertos pelos protagonistas? Será que eles conseguirão sobreviver aos intensos ataques de seus perseguidores? A verdade de suas existências permitirá que eles continuem vivendo impunes?
“A Ilha” é uma mega-produção do cinema norte-americano que não foi bem recebida pelo público e principalmente pela crítica. Apesar dos exageros nas cenas de ação remonta na sua temática central a alguns dos grandes filmes de ficção como “Blade Runner”, “Inteligência Artificial”, “Brazil, o filme” ou ainda “Eu, Robô”. Só por esse motivo já seria importante vê-lo...
Para refletir
1- Peça aos estudantes a leitura dos clássicos livros “Admirável Mundo Novo” (de Aldous Huxley), “1984” (de George Orwell) e “Eu, Robô” (de Issac Asimov). Para tanto divida a turma em três grupos e peça a cada terço de alunos a leitura de um dos títulos acima mencionados. O ideal é que essa leitura seja feita antes da apresentação do filme. Depois que o filme for mostrado promova discussões sobre o futuro com os estudantes. Se puder envolva outros professores nos debates.
2- Realize uma mostra de filmes de ficção científica (não se esqueça de utilizar os clássicos) para que os estudantes possam ter uma perspectiva da visão de futuro de diferentes escritores, cineastas e pensadores. Encarregue os estudantes a organizar uma apresentação do filme através de painéis, debates, textos e até mesmo exposições artísticas (como produção de desenhos, pinturas ou dramatizações).
3- Muitos filmes que falam sobre o futuro o abordam de forma pessimista. Por que isso acontece? Qual a nossa parcela de responsabilidade sobre essas nuvens negras que pairam no horizonte futuro da humanidade? O que podemos e devemos fazer para mudar essa perspectiva tão negativa do amanhã? Envolva os estudantes numa pesquisa de campo sobre essa temática. Busquem opiniões fora da escola, junto às famílias e a comunidade. Aumentem as discussões...
4- O tema central das discussões acerca da ciência no filme “A Ilha” é a clonagem. Que tal buscar informações sobre a atualidade desse assunto? Como estão as pesquisas? E a legislação? Há debates mundiais sobre clonagem? Qual é a sua opinião sobre o assunto? Depois de acumular informações extraídas de jornais, revistas, sites da Internet e livros o ideal é que se faça uma mesa redonda sobre o tema envolvendo discussões sobre ciência e ética...
Ficha Técnica
A Ilha
Título Original: The Island
País/Ano de produção: EUA, 2005
Duração/Gênero: 127 min., Ficção Científica
Direção de Michael Bay
Roteiro de Alex Kurtzman, Roberto Orci e Caspian Tredwell-Owen
Elenco: Ewan McGregor, Scarlett Johansson, Djimon Hounson, Sean Bean, Steve Buscemi, Michael Clarke Duncan, Ethan Phillips, Brian Stepanek, Siobhan Flynn.
Fonte: Planeta Educação - A Ilha. Por: João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).