Filmes & Educação
21/06/2018
Fazer cinema com quase nada
Realizador de ‘No Intenso Agora’, irmão de Walter Salles e diretor da revista ‘Piauí’, fala sobre as influências de seu mentor, um dos melhores documentaristas brasileiros.
El País
O encontro com o personagem, a responsabilidade de dar a palavra ao povo, a supressão de elementos cinematográficos em busca da essência e a arte de não terminar, de não encerrar um filme para que o fim fique nas mãos do espectador. Essas são algumas das características principais do trabalho do documentarista brasileiro Eduardo Coutinho (São Paulo, 1993-2014), ressaltou na quarta-feira um de seus discípulos, o diretor João Moreira Salles (Rio de Janeiro, 1962), irmão do muito mais conhecido Walter Salles, que lotou o anfiteatro Gabriela Mistral, da Casa da América, em Madri. O evento: o festival Documenta Madrid. O formato: uma master class na qual Moreira Salles foi mostrando as características da obra do homenageado, considerado um dos melhores documentaristas brasileiros. Sua conferência pode ser resumida nos seguintes pontos:
- Não ter medo de que a originalidade esteja presente na história e filmar sem concessões uma sequência de três minutos enquadrando apenas um protagonista que repete que passou fome, muita fome, e só tinha algumas batatas para comer, mostrando-as para a câmera. Coutinho faz isso sem cortes, sem montagem, sem planos especiais. “Nada expressava melhor a devastação. Nada podia contar melhor o absurdo da fome que a oralidade daquele homem, três longos minutos nos quais enfatiza que faltava de tudo para ele”, assinalou Moreira Salles. Um cinema em busca do indivíduo, sem abstrações.
- Supressão, o que de alguma forma explicava o título da conferência: “Como fazer cinema com quase nada”. Adeus à narração, às trilhas sonoras, ao roteiro, aos movimentos de câmera, às paisagens... O objetivo: buscar a dramática mínima. “Ele diluía o que se via para ir à essência”, resumiu seu discípulo, lembrando que para Coutinho a única paisagem era o corpo humano.
- O cinema como teatro. Em sua obra, o documentarista deixava que se vissem as câmeras e toda a parafernália que envolve uma filmagem: equipe, luzes, fios... O autor procurava tirar o mistério do cinema e ser claro com o espectador, deixar evidente a intervenção que aquilo significava. Verdade e teatro para procurar a verdade.
- Responsabilidade de contar a verdade buscando a presença do presente. E aqui Moreira Salles explicou essa máxima citando Shoah, o documentário de 1985 sobre o Holocausto, “no qual os esquecimentos da Europa são uma presença do presente”.
- Cronologia na hora da montagem. “Ninguém é a consecução de ninguém”, lembrou Moreira Salles em relação a seu mestre. Com isso, quis dizer que se Coutinho filmava uma dezena de personagens para um documentário, não alterava a ordem na montagem. Não valeria, segundo o cineasta, a “lógica do Deus” (do criador) para contar a história. Coutinho só quebrou essa lógica em uma ocasião, destacou-se na sala. Fez isso para não encerrar um de seus trabalhos com uma verdade absoluta, e sim com a incerteza, deixando o final aberto. “Os filmes não terminam com pontos de exclamação, devem fazer isso com reticências”, apontou o cineasta e professor. Sobre esse ponto, Moreira Salles recordou que Jordana Berg, montadora dos filmes de Coutinho, costumava dizer que o mestre em fazer cinema sem recursos não terminava suas obras, ele as abandonava.
- Encontros ou conversas, mas jamais entrevistas para conseguir um bom trabalho. Uma copresença do personagem e do documentarista, na qual ambos contribuem para chegar a uma espécie de erotismo. “Tudo tem de ser um mistério na medida justa para que as coisas aconteçam. O corpo deve falar e o falar está vinculado ao corpo”, apontou o professor em referência a seu mestre. E tudo de uma perspectiva na qual não se julga nem se faz jornalismo. “Jamais entrevistarei um torturador, porque eu o acabaria entendendo”, dizia, como lembrou Moreira Salles, o homem que amava os documentários.
- Supressão, o que de alguma forma explicava o título da conferência: “Como fazer cinema com quase nada”. Adeus à narração, às trilhas sonoras, ao roteiro, aos movimentos de câmera, às paisagens... O objetivo: buscar a dramática mínima. “Ele diluía o que se via para ir à essência”, resumiu seu discípulo, lembrando que para Coutinho a única paisagem era o corpo humano.
- O cinema como teatro. Em sua obra, o documentarista deixava que se vissem as câmeras e toda a parafernália que envolve uma filmagem: equipe, luzes, fios... O autor procurava tirar o mistério do cinema e ser claro com o espectador, deixar evidente a intervenção que aquilo significava. Verdade e teatro para procurar a verdade.
- Responsabilidade de contar a verdade buscando a presença do presente. E aqui Moreira Salles explicou essa máxima citando Shoah, o documentário de 1985 sobre o Holocausto, “no qual os esquecimentos da Europa são uma presença do presente”.
- Cronologia na hora da montagem. “Ninguém é a consecução de ninguém”, lembrou Moreira Salles em relação a seu mestre. Com isso, quis dizer que se Coutinho filmava uma dezena de personagens para um documentário, não alterava a ordem na montagem. Não valeria, segundo o cineasta, a “lógica do Deus” (do criador) para contar a história. Coutinho só quebrou essa lógica em uma ocasião, destacou-se na sala. Fez isso para não encerrar um de seus trabalhos com uma verdade absoluta, e sim com a incerteza, deixando o final aberto. “Os filmes não terminam com pontos de exclamação, devem fazer isso com reticências”, apontou o cineasta e professor. Sobre esse ponto, Moreira Salles recordou que Jordana Berg, montadora dos filmes de Coutinho, costumava dizer que o mestre em fazer cinema sem recursos não terminava suas obras, ele as abandonava.
- Encontros ou conversas, mas jamais entrevistas para conseguir um bom trabalho. Uma copresença do personagem e do documentarista, na qual ambos contribuem para chegar a uma espécie de erotismo. “Tudo tem de ser um mistério na medida justa para que as coisas aconteçam. O corpo deve falar e o falar está vinculado ao corpo”, apontou o professor em referência a seu mestre. E tudo de uma perspectiva na qual não se julga nem se faz jornalismo. “Jamais entrevistarei um torturador, porque eu o acabaria entendendo”, dizia, como lembrou Moreira Salles, o homem que amava os documentários.
Esta notícia foi publicada no site El País em 11 de maio de 2018. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade da autor.